Ministério das Mulheres e a recusa em definir o grupo demográfico para quem ele trabalha
Hoje vamos refletir sobre a morosidade ou falta de interesse do Ministério das Mulheres e do governo Brasileiro em promover amplo debate democrático acerca dos direitos de metade da população do país.
Ainda que mulheres sejam um grupo humano que existe desde os primórdios da evolução (tal qual os homens, há pelo menos 6 milhões de anos) a ideia de ter um órgão no poder executivo que fosse dedicado às questões políticas de metade da população humana foi implementada no Brasil há apenas vinte anos, durante o segundo mandato de Lula, quando foi criada a Secretaria de Políticas para a Mulher. Em 2010, a titular da pasta foi alçada ao status de Ministra, mas apenas em 2015, com a reforma ministerial do governo Dilma, o órgão passou a ser um Ministério, integrando a tríade Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A prática de tratar as questões das mulheres como sub-temas, ou tratar as questões das mulheres como em conjunto com outros temas é um padrão em múltiplas organizações sociais. Tomem um minuto para reparar como os setores de mulheres em diversas instâncias políticas raramente são exclusivos das mulheres. Em 2019 o governo Bolsonaro confirmou a tendência e a tríade passou a se chamar Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. No mandato atual de Lula, pela primeira vez na história, as mulheres brasileiras tinham seu próprio Ministério. Ministério da Mulher e pronto.
Um Ministério tem uma competência definida no governo. Eles fazem parte do poder executivo e são responsáveis pela política nacional de um determinado tema, que obviamente, é um tema estruturante para a sociedade e o bem estar social. Uma política nacional se refere à implementação, combinação, intersecção das leis que já existirem a respeito daquele tema e criação de programas que, em articulação intersetorial, façam valer as leis. As leis sozinhas pouco ou nada fazem. É preciso um trabalho estratégico para colocá-las em prática, articular as várias instâncias políticas, acompanhar e verificar progresso, refinar e pautar novas políticas ou leis, conforme for necessário. É um trabalho monstruoso, imagine você. No caso do ministério das mulheres, o escopo por óbvio, é trabalhar pela garantia dos direitos das mulheres - 51,1% da sociedade brasileira são mulheres ou meninas (se tudo der certo, são as mulheres do futuro), em um cenário bastante desafiador. O Brasil, um país notoriamente misógino de proporções continentais, figura entre os 5 países onde mais se assassinam mulheres no mundo. Mesmo depois da promulgação da Lei do Feminicídio, em 2015, os números de assassinatos violentos de mulheres só crescem. As estatísticas dão conta de registrar uma mulher morta no Brasil a cada 6 horas. No caso de estupros, são duas mulheres estupradas por minuto. Quando você terminar de ler esse texto, 10, 12 quiçá 18 mulheres terão sido estupradas no Brasil, a maioria delas meninas e negras. O Brasil também figura em rankings mundiais igualmente vergonhosos, como o 4o lugar mundial em casamentos infantis, uma triste realidade onde crianças, geralmente meninas, são obrigadas a casar com homens maiores de idade, não raro, expressivamente mais velhos. Existem muitas outras formas de violência masculina contra as mulheres e meninas como o tráfico humano, exploração sexual (prostituição), violência obstétrica, patrimonial, moral, a lista é longa. Todas elas encontram solo fértil no Brasil. Em um ranking de 153 países, o Brasil figura na 82a posição quando o tema é qualidade de vida para as mulheres e meninas, atrás de todos os países da Europa, quase todos das Américas (exceto Colômbia e Guatemala) e boa parte da Ásia e Oriente Médio.
Sob o comando da Ministra Cida Gonçalves, nas redes sociais no dia 24 de janeiro, a comunicação do recém empossado Ministério das Mulheres afirmava "Esse vai ser o ministério do diálogo. Vamos falar com todos os Ministérios mas também com todos os movimentos de mulheres e feministas". Dois dias depois, a Ministra recebeu em seu gabinete membros da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a Antra, que de acordo com o próprio site é uma "rede nacional que articula em todo o Brasil 127 instituições que desenvolvem ações para promoção da cidadania da população de Travestis e Transexuais". O Ministério das Mulheres brasileiro, pela primeira vez na história um órgão ministerial dedicado exclusivamente às mulheres do Brasil, sinalizava ali que para definir o grupo demográfico para o qual trabalha, à exemplo da Antra e demais apoiadores da agenda Transativista, usaria o conceito de "identidade de gênero" em substituição ao sexo, como marcador social. Enfaticamente criando um ministério unisex. "O ministério é 'das mulheres' porque elas são diversas e são plurais. E está à disposição e será parceiro na execução de políticas públicas para pessoas trans e travestis em combate ao preconceito", disse a Ministra nas redes sociais.
Nem bem existiu, esse espaço criado para as mulheres já virava novamente um conglomerado de agendas. Sem surpresas, ao se depararem com essa realidade, inúmeras eleitoras passaram a indagar ao Ministério das Mulheres como e porque eles estavam tomando a decisão, sem debate, de substituir o sexo pela auto identificação da "identidade de gênero" como marcador que orienta o ministério. As mulheres comentaram nas redes sociais, e depois usaram aparatos do próprio governo, como a Lei de Acesso à Informação (LAI), em busca do suposto diálogo que prometera a Ministra. Para nenhum dos milhares de comentários houve uma resposta. Zero. O Ministério das Mulheres sequer criou uma resposta padrão. Como fez por exemplo a equipe da Deputada Federal Dandara, que ao apresentar o PL que criminaliza a misoginia e (à despeito do texto da ideia legislativa criada pela professora Valeska Zanello, que foi apoiado democraticamente por mais de 20mil assinaturas em menos de uma semana), escorregou na conceituação e, potencialmente com medo de desagradar as entidades transativistas que já se apresentavam nos comentários sugerindo que uma lei que proteja as mulheres de violência moral com base no seu sexo seria errada e perigosa, sugeriu que usaria a "identidade de gênero" como critério.
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